A Realidade dos Contratos Médicos no Brasil: Uma Comparação com Outras Profissões.

Os profissionais médicos que atuam nas unidades de pronto-socorro enfrentam diariamente uma realidade desafiadora e muitas vezes injusta. São contratados para atender casos de urgência e emergência, mas a realidade do sistema de saúde pública os coloca em um cenário de sobrecarga, onde são obrigados a atender também consultas ambulatoriais que, na prática, deveriam ser realizadas por outros médicos em postos de saúde ou ambulatórios de especialidades — infelizmente, uma estrutura que é raridade na rede pública atual.

É importante destacar a dedicação desses médicos que, muitas vezes, passam dias e noites ininterruptas prestando cuidados essenciais à população, mesmo em condições adversas. No entanto, em vez de reconhecimento, muitos desses profissionais estão sendo injustamente expostos e criticados por políticos demagogos que se autointitulam fiscais do povo. Entram nas unidades de pronto-socorro sem a devida compreensão do contexto ou respeito pelos profissionais que ali labutam, promovendo espetáculos públicos que questionam a dedicação dos médicos sem motivo justo.

Esses políticos frequentemente deixam de lado a responsabilidade de avaliar adequadamente se os atendimentos são de fato urgências ou emergências, resultando em uma imagem distorcida dos profissionais que trabalham incansavelmente para garantir o atendimento necessário à população.

Atualmente, no Brasil, a maioria dos médicos que atuam em prontos-socorros e emergências em unidades do SUS (Públicas) são contratados como Pessoa Jurídica (PJ) ou fazem Residência Médica, ou seja, sem nenhum vínculo empregatício formal e sem direitos trabalhistas. Além disso, esses profissionais frequentemente enfrentam uma exploração disfarçada: como já citado anteriormente, são contratados para um serviço específico – por exemplo: Atendimentos de urgências e emergências – mas acabam obrigados a realizar funções que não estavam no contrato, como consultas ambulatoriais de baixa complexidade. 

Residentes que deveriam ter preceptoria e um número aceitável de pacientes, são, na verdade, jogados no meio de uma batalha sangrenta, explorados fisicamente e psicologicamente, sem receber absolutamente nenhuma remuneração extra pelo seu excesso de trabalho. Para os médicos, principalmente os que atuam em Emergência, centros obstétricos, centro cirúrgico e UTI, trabalham durante o dia, fazem plantões à noite e retornam ao trabalho no dia seguinte. 

Alguns chegam a ficar dias sem voltar para casa, sem conviver e cuidar dos seus familiares. 

Se aplicarmos essa lógica a outras profissões, a situação se tornaria absurda. Vamos a alguns exemplos:

1.⁠ ⁠A Cabeleireira Explorada

Imagine uma médica indo a um salão de beleza para escovar o cabelo. Antes do serviço, ela acerta com a cabeleireira um valor específico para a escova. No entanto, durante o atendimento, ela exige que a profissional também corte seu cabelo, faça uma pintura completa e ainda finalize com uma maquiagem impecável. No fim, paga apenas pelo valor combinado da escova.

Esse tipo de exploração seria inaceitável, mas é exatamente o que acontece com médicos que são contratados para urgência e emergência e, no dia a dia, são forçados a atender consultas ambulatoriais sem remuneração extra.

2.⁠ ⁠O Pintor de Parede que Virou Reformador de Casa

Um pintor é contratado para pintar uma parede específica de 3 metros de largura por 2 metros de altura. O valor do serviço foi combinado previamente. Mas, ao chegar ao local, o cliente exige que ele pinte toda a casa, incluindo o teto e as portas, sem pagar nada a mais.

Qualquer trabalhador se recusaria a aceitar essa situação, mas, para médicos em pronto-socorro, essa exigência ocorre frequentemente: são contratados para uma função e acabam exercendo muitas outras sem remuneração proporcional.

3.⁠ ⁠O Motorista de Aplicativo que se Torna Guia Turístico

Um passageiro solicita um carro por aplicativo para um trajeto de 10 km, com um preço fixo. Durante a corrida, ele começa a pedir para o motorista fazer paradas extras, buscar um amigo, esperar enquanto faz compras e, no fim, exige que o motorista o leve a um destino completamente diferente, sem pagar nada além do valor inicial.

Esse tipo de abuso causaria indignação, mas, no caso dos médicos, é visto como “parte do trabalho”.

4.⁠ ⁠O Pedreiro que Assumiu uma Obra Completa

Um pedreiro é contratado para assentar o piso de uma cozinha. No meio do trabalho, o contratante decide que ele também deve levantar uma parede, instalar a parte elétrica, reformar o telhado e ainda assentar o piso do banheiro, tudo pelo mesmo valor combinado inicialmente.

Seria um absurdo esperar que o pedreiro aceitasse isso, mas o mesmo acontece com médicos que deveriam focar em emergências e acabam absorvendo a demanda de consultas de rotina.

5.⁠ ⁠O Professor que é Forçado a Ensinar Outra Disciplina

Um professor é contratado para dar aulas de Matemática. No entanto, ao chegar à escola, a direção decide que ele também deve ensinar História, Geografia e até Educação Física, sem receber um centavo a mais.

A situação que muitos médicos enfrentam nas unidades de pronto-socorro pode ser comparada a um cenário em que alguém contrata um serviço de bufê para um jantar planejado para 20 pessoas. Contudo, ao chegar o momento do evento, o bufê é surpreendido com a exigência de servir 100 pessoas — cinco vezes o número inicialmente acordado — sem qualquer aviso prévio ou ajuste nos recursos disponíveis, além da expectativa de que a qualidade, agilidade e rapidez do serviço sejam mantidas.

Essa analogia ilustra o desafio diário enfrentado por médicos contratados para atender exclusivamente emergências médicas. Em vez disso, encontram-se sobrecarregados com a responsabilidade adicional de realizar consultas ambulatoriais, uma tarefa que deveria ser delegada a outras unidades de saúde ou profissionais especialmente designados para tal atividade. A demanda excessiva e a carga de trabalho desproporcional comprometem a capacidade desses médicos de desempenhar suas funções de forma eficaz, muitas vezes sem reconhecimento ou o suporte necessário de quem mais deveria apoiá-lo: os usuários (população).

Assim como o bufê que precisa reinventar sua logística para lidar com uma demanda muito além do previsto, os médicos nos prontos-socorros são forçados a gerenciar um volume de pacientes que excede suas expectativas contratuais, o que muitas vezes coloca em xeque a excelência do atendimento médico e a saúde do próprio profissional. Esses médicos merecem uma estrutura e condições de trabalho que permitam que se concentrem no que foram formados para fazer e no que seus contratos especificam: atender emergências e salvar vidas.

A lógica parece ridícula, mas é exatamente o que acontece com médicos que são forçados a atuar além do que foi contratado.

Conclusão

Se qualquer outra profissão fosse submetida às mesmas condições que muitos médicos enfrentam no Brasil, a injustiça seria evidente e amplamente contestada. No entanto, na área médica, esse abuso é tratado como normal.

Defender os médicos nesse cenário é defender a saúde pública como um todo. É essencial que haja um entendimento mais justo e honesto sobre o papel e os desafios enfrentados por esses profissionais dentro do sistema de saúde. É preciso exigir respeito e consideração àqueles que, mesmo em meio a tantas dificuldades, continuam a exercer sua profissão com dedicação e compromisso.

A solução passa por reformulação de contratos e fiscalização mais rígida para que médicos sejam remunerados e tratados com o mesmo respeito que qualquer outro profissional que presta um serviço essencial à sociedade.

Autor:

José Nixon Batista

 Médico Emergencista

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Sobre mim

Graduado em Medicina pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Junho/2008); Com especialização em Medicina de Emergência pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE), com Pós especialização em Terapia Intensiva pelo Centro Universitário Redentor-RJ e a Associação de Medicina Intensiva do Brasil (AMIB) e Pós especialização em gestão Hospitalar e Auditoria em sistemas de saúde pelo IPOG/GO. Atualmente sou Presidente regional da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE) de Santa Catarina, Médico Coordenador chefe do Serviço de Emergência do Hospital Unimed/Tubarão-SC, Médico Coordenador Estadual da Central de Regulação de Urgência Mesorregião Sul de Santa Catarina SAMU , Atuando como emergencista do serviço de urgência e emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição – Tubarão/SC, Medico emergencista e Hospitalista do Hospital Unimed/Tubarão/SC e médico Plantonista na Unidade de terapia Intensiva do Hospital Regional de Araranguá-SC

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